Por: Mayara Nanini
Aos olhos dos atores ele é aquele diretor que pode não ter piedade dos pobres amadores e sonhadores. Entretanto, aos que conseguem enxergar além do seu método assertivo, ele é aquele alguém que transborda sensibilidade e tem uma visão diferenciada dos demais. Ele exige de quem tem algo a mais para oferecer e sequer sabe disso. É a arte de conhecer aos outros, antes que eles se conheçam, para ajudar a partir da arte.
Seu nome é Milton Cardoso, mais conhecido como Milton do teatro. Ele, que é o marido da nossa amada Isolete (uma artista incrível) e respira cultura por onde passa. Nascido em Mirassol, com 8 meses passou a residir em São Paulo.
A paixão pela arte foi despertada com tenra idade. Com três anos já mergulhava nos gibis da Disney, graças aos pais que incentivaram a leitura do filho. Além disso, todo mês a família visitava o museu Ipiranga, local onde se deslumbrava com a arquitetura e acervo.
Nosso grande artista é atraído por pessoas e seus sentimentos transformados em história. Isso se deve ao fato das suas vivências. Se recorda que as reuniões familiares aconteciam em volta da fogueira. Sempre existia assunto no tocante a vida da família ou ainda sobre lendas folclóricas. Seu pai, Jovercino, fazia rodas de viola e modas enquanto, na vizinhança – em um mundo ainda sem televisão – fervilhava conversa interessante. Afinal, todo assunto para ele tem um fundamento.
Se engana quem pensa que Milton apenas é um bom leitor e diretor. Ele, na verdade, é um grande acumulador de talentos ocultos, como o desenho e atuação: “Desenhava bastante, quando comecei a trabalhar na adolescência entrei numa empresa de engenharia. Me apaixonei definitivamente pela arquitetura. Sonhava em ser arquiteto. Mas devido às condições financeiras não foi possível. Cursei o curso de Artes Plásticas e comecei no teatro sendo cenógrafo de grupos universitários ou amadores. Posteriormente, fiz uma substituição como ator (participação pequena) numa peça de Jean Paul Sartre, “Entre Quatro Paredes. Isso em 1987. Atuei por vários anos. No decorrer desse período descobri que não gostava de atuar, no Teatro. Paralelo a essa atividade comecei a ser assistente de direção. Posteriormente assumi a direção teatral”.
O filho de Dinorá também se revela um grande colecionador, que varia desde história em quadrinhos até Playmobil. É em um ambiente da sua casa que Milton tira a roupa de guerra do teatro e deixa o pensamento voar, enquanto cria sua cidade de Playmobil.
Enquanto alguns se aventuravam nas ruas, Drummond, Fernando Pessoa, Shakespeare e tantos outros foram seus fiéis escudeiros, em uma sala de leitura. Enfrentou diversas batalhas acompanhado das flores que brotaram no asfalto e assim as mãos mostraram colher essas flores sem se dar por isso. Experimentou dias amargos ao ter que se dedicar para exatas, por falta de valorização da literatura no ambiente escolar. Quase perdemos um talento na cultura ao ter Milton como programador de informática.
A verdade é que os escolhidos sempre são resinificados e, por força dos deuses do teatro, o palco o chamou.
Em um misto de referência, Milton foi moldado pelas histórias em quadrinhos, desenhos, grandes poetas e, inclusive, pelas “histórias que o povo conta”. É possível identificar um grande ouvinte e inigualável observador. Só alguém com a sensibilidade desse nível para transformar histórias reais em cenas memoráveis e arrebatadoras.
“Milton tem uma sensibilidade em além de escolher papéis, devolver nossa essência. Em toda sua direção faz um papel além do diretor que quer perfeição, ele nos inspira e nos aguça para trazer sentido, colocar nosso coração na prática, no sentido de ser artista. Plantando a semente do verdadeiro amor a arte, é o que diz Jussara Chiavegato”.
E não se fala apenas nas cenas do palco, mas na escrita, seja ela na dramaturgia ou literária. Há profunda conexão de suas palavras com o universo humano. Ele sente e transborda arte. Pensa e transforma o vazio em imensidão: “O lado B da escrita é a ausência das conversas com o leitor. Sinto falta. Adoro brota uma conversa sobre algo que escrevi ou encenei. Outro dia uma pessoa que admiro muito me falou que o texto sobre Itapetininga nos anos 20, o fez relembrar das suas memórias de infância de seus avôs. Ganhei meu dia. A arte é isso também, de conversas que fazem transbordar a vida para além do cotidiano”.
A vida o trouxe para Itapetininga em torno de 2007 e hoje ele deixa pegadas onde muitos Itapetininganos jamais ousaram pisar. É um grande historiador e, de forma intensa, reconhece um talento, seja ele do passado ou presente.
Há um “Milton” para cada circunstância, mas nunca encontrará um Milton pela metade. Ele é inspirado por pessoas e ama desbravar lugares, seja referência no Brasil ou na Europa. Os diversos trabalhos o motivaram de forma única e enriqueceram o seu “eu”, que é repleto por nuances e cores: “A maturidade cênica, o divisor de águas, chegou com a encenação “A Nova Roupa do Rei”, ficamos três anos apresentando a peça. Ela mudou radicalmente a forma de eu ver o teatro. Me atravessou. As pessoas envolvidas me atravessaram e eu os atravessei. Carrego comigo. Lembro de cada movimento, de cada fala, das cores e das formas do espetáculo. Inesquecível. Guardo lembranças de outros trabalhos? Sim, mas esse foi especial porque marca um salto em minha trajetória artística”.
Nossa cidade ganhou um presente que emana talento e disposição. Um incentivador cultural completo, que busca aprender e ajudar os que o cativam.
Prova disso é a marca que ele cria na vida das pessoas, conforme cita Giulia Guarnieri: “Milton, é daqueles amigos que a gente não consegue dizer não. Sua energia, paixão pela cultura e pela história nos levam a lugares lindos que podemos visitar através de seus textos, peças e projetos. Tê-lo em minha vida como amigo e professor foi essencial para me tornar a profissional e pessoa que sou hoje, ele nem sabe disso, mas ele me aproxima e me traz para perto da minha história, foi com ele que aprendi a amar Itapetininga e é com ele que relembro e saúdo as memórias da minha avó, e isso sempre será o presente mais lindo que sua amizade me traz”.
Ele ama histórias e as raízes. Podemos ousar em dizer que, além das raízes também possui asas. Asas que, por diversas vezes cede para que outros alcancem voos maiores.
Gabriel Lara entoa: “Conheci o Milton quando eu tinha apenas 14 anos de idade, na época fazia uns dois anos que ele estava como orientador do teatro do SESI. Me apresentou um universo até então inimaginável, me mostrou que existia um mundo muito maior do que eu imaginava e que de alguma maneira sonhos poderiam ser realizados em um palco. Hoje, beirando meus 29 anos coleciono memórias e momentos com o Milton. Não é à toa que escolhi como ofício a arte e o teatro, a influência foi inevitável. Durante essa jornada, ele já foi meu professor, minha referência, minha inspiração, meu chefe, meu amigo e hoje tem como título: Padrinho de casamento. Milton, na maior parte desse processo me disse coisas que eu não queria ouvir, mas que no final, era tudo o que eu precisava. Ele tem um jeito certeiro, graças a sua maturidade e juventude, de prever certos episódios, que nem mesmo a ciência é capaz de explicar.
Colecionar momentos com esse meu padrinho é uma das coisas mais belas, pois ter a oportunidade de ouvir seus saberes, suas vivências, vê-lo gargalhar de episódios bobos do dia-a-dia, compartilhar fofocas feito duas comadres e vivenciar a arte que nos uniu à quase 15 anos atrás, me faz acreditar que família vai muito além do sangue, pois ela de fato também é uma escolha e pode ser construída a partir de relações como a que temos. Obrigado por auxiliar meus pais na formação da minha identidade e por contribuir com muita informação e criatividade na minha vida. Obrigado por acolher o Pedro nessa jornada. Obrigado por trazer a Isolete na nossa vida, pois ela é uma mãe fundamental para nós. Viva Milton. Evoé”.
De fato, é um Itapetiningano de alma. Não nasceu em nossa terra, mas contribui de forma significativa ao emanar seu amor e energia em tudo o que faz.
Fique com nosso agradecimento por ser tão presente e importante para nossa querida Itapetininga.
O post Milton Cardoso e sua atuação cultural na cidade apareceu primeiro em Correio de Itapetininga.