Professores criticam o Programa Escola Cívico-Militar

Em uma sessão marcada pelo confronto de estudantes com policiais militares, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou o projeto enviado pelo governador Tarcísio de Freitas sobre o Programa Escola Cívico-Militar em São Paulo.

O programa vai ser implementado em escolas públicas que já existem e em unidades novas. As escolas cívico-militares estaduais vão ser administradas por um núcleo civil (gestão pedagógica e administrativa) e um núcleo militar (composto por monitores, obrigatoriamente policiais militares da reserva do Estado de São Paulo). A Secretaria de Educação seria a responsável por coordenar e implementar o programa, além de financiá-lo. De acordo com o governo de São Paulo, o investimento nas escolas cívico-militares será o mesmo já previsto nas escolas comuns. “O impacto orçamentário já está incluso no custo de pessoal da pasta, cujo valor de R$ 7,2 milhões será destinado, anualmente, para o pagamento dos militares”, divulgou o Governo do Estado de São Paulo. A pasta também vai ser responsável por selecionar as escolas que vão participar, de forma voluntária, e oferecê-las apoio técnico, como o corpo docente. Policiais militares da reserva podem atuar como monitores, mas terão que passar por um processo seletivo. O Programa Escola Cívico-Militar é polêmico e encontra resistência entre os profissionais da educação.

O Jornal Correio de Itapetininga escutou alguns profissionais da área da educação sobre o programa.

Jovir José de Almeida Filho, professor  

Jovir José de Almeida Filho, professor

A Educação é múltipla e precisa assim ser entendida, pois cada cultura, cada sociedade, enfim, toda e qualquer forma de comunidade humana tem seu direito em transmitir seus conhecimentos aos seus descendentes através do processo educacional. Uma escola ligada a uma linha de pensamento, de comportamento ou qualquer ordem de caracterização é possível. Não há, assim, nada contra uma escola militar, uma escola religiosa ou com qualquer nomenclatura que seja. O problema, no entanto, é quando envolve o dinheiro público financiando uma linha de pensamento, sobretudo, como no caso atual, de escolas militares em São Paulo.

O Brasil é um dos únicos países que têm polícia militar, justamente porque esta linha de pensamento deveria de ser restrita à segurança nacional e não de ação civil e social, pois, em termos de interesse social, poucos pensamentos são tão retrógrados como o militar, a começar pela hierarquia que promove muitas injustiças, não sendo poucos os casos de processos neste sentido. O ex-tenente coronel da PM de São Paulo, José Afonso Adriano Filho, afastado e preso no maior caso de corrupção já descoberto, deu uma entrevista, no último mês de março, afirmando que a corrupção está presente em todas as unidades gestoras da PM no estado.

Agora, pensemos no que significa a criação de escolas militares, com um pensamento retrógrado em termos de humanidade, financiadas pelo dinheiro público, não tem como não ser fórmula ideal para ainda mais casos de corrupção. Se resolvem criar tais escolas de cunho privado, daí, se vai haver boa condução de recursos ou não, é por conta de quem as financiar, mas com o dinheiro público não deixa de ser algo muito preocupante.Em termos educacionais, porém, é notório que todos os sistemas educacionais militares em nosso país estão presos ao século XIX, com um conhecimento formativo de baixíssima qualidade há bastante tempo”.

Renata Polati Rechinelli, professora, conselheira na subsede da APEOESP de Itapetininga

Renata Polati Rechinelli, professora, conselheira na subsede da APEOESP de Itapetininga

“O  projeto do atual do Governo do Estado de São Paulo sobre a criação de escolas cívico-militares, vem com a argumentação de melhoria nos índices de educação básica (IDEB), além de garantir as metas propostas pelo Plano Estadual de Educação, segue com a fala do desenvolvimento  de promoção de direitos humanos e cidadania. Mas o que realmente temos visto, não condiz com essa escrita. No dia 21 de maio tivemos a votação da aprovação ou não desse projeto, e o que pudemos assistir? Alunos secundaristas apanhando da polícia militar, dentre outras agressividades que partiram da PM do Tarcísio.

Onde então os direitos humanos e constitucionais que cada cidadão tem? Não existe isso para esse governo que atua com truculência para cima de estudantes e professores. A educação deve ser libertadora e não opressora, em diversos conhecimentos, nas liberdades individuas e coletivas, no ambiente salutar para os professores e demais trabalhadores da educação. Mas é obvio que isso não será prezado em uma escola com este perfil militar, autoritário e controlador. Assim, essa proposta militar, passa longe da real importância da educação num país que se preza a desenvolver uma sociedade crítica, de respeito com a diversidade e plural.”

O Jornal Correio de Itapetininga também solicitou a opinião dos pré-candidatos a prefeito de Itapetininga sobre o Programa Escola Cívico-Militar. Até o momento do fechamento da edição impressa do jornal, somente a pré-candidata Paula Granato respondeu.

Paula Granato , pré-candidata a prefeita de Itapetininga e professora da FATEC

Paula Granato , pré-candidata a prefeita de Itapetininga e professora da FATEC

“O projeto de lei complementar, aprovado ontem pela Assembleia Legislativa de São Paulo com assustadora repressão às manifestações em contrário, aprova a criação de escolas cívico-militares na rede de educação estadual e municipal. Em seus objetivos, fala em melhorar a qualidade da educação, construir cidadania e uma “cultura de paz”.

A qualidade da educação depende de muitos fatores. O primeiro é o bem-estar do aluno. Está alimentado? Como é seu ambiente familiar? É valorizado, tem seus talentos reconhecidos? É incluído em suas peculiaridades, como tantas pessoas do espectro autista que têm tanto a aprender e ensinar, de maneiras tão variadas?

Sabemos que cada um tem uma forma de aprender; muitos são mais visuais, outros auditivos, alguns sinestésicos. Na contramão dessa perspectiva, a ideia de uma educação militarizada é a padronização. A disciplina é vista como todos sentados em silêncio ouvindo o que o professor tem a dizer. Pedagogos e especialistas dirão que essa não é a melhor forma de ensinar.

Educação de qualidade exige preparação de bons profissionais: professores, auxiliares, funcionários, e também assistentes sociais e psicólogos, que busquem acolher e entender o aluno, que deve ser protagonista. Ao incluir policiais militares na educação das crianças, o que se estimula é o medo, a repressão, a punição. Ao invés de valorização de cada um, invisibilização das diferenças, apagamento dos problemas vividos dentro de casa e em seus entornos.Qual será o peso de tal repressão para a saúde mental das nossas crianças e jovens?

Se a qualidade da educação não é favorecida pela lógica militar, a construção de cidadania é ainda mais prejudicada. Cidadania pressupõe participação, que por sua vez exige consciência da realidade. Para se tornar cidadã, a pessoa precisa ser capaz de opinar; deve poder enxergar os problemas e estar aberta a possíveis soluções; precisa conhecer seus deveres e saber exercer seus direitos. A militarização aponta para a obediência sem questionamentos, o que prejudica a capacidade de cada um construir sua visão de mundo e assim, assumir a responsabilidade que tem como cidadão.

Quanto à cultura de paz, ela é feita com amor e união, com acolhimento, e não com vigilância e punição. O uso ou ameaça de uso da força só piora a violência. O fato de tentar coibir possíveis indisciplinas no ambiente escolar pelo medo não resolve o problema da violência, porque o instrumento utilizado ensina que a força, não o diálogo, resolve as questões.  O fato de as escolas cívico-militares serem direcionadas a regiões com maior índice de criminalidade já aponta para o que se pretende: reprimir aqueles que não se adequam. Quem são eles? Os mais pobres, os pretos, os periféricos.”

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